quarta-feira, 28 de abril de 2010

Tudo o que temos cá dentro

Retrata um conjunto de consultas de psicoterapia de um jovem que lida pela primeira vez com a horror do suicídio de uma amiga próxima e que tenta ainda compreender as causas de morte do seu avô. Daniel Sampaio conduz-nos para o mundo da Psicologia, dando-nos pormenores de ambiente muito bem conseguidos e aprofundando a história com fragmentos de pensamentos do protagonista e a explicação da jovem que decide pôr termo à vida, através de uma longa carta.

Não se tratando propriamente de um guia para lidar com a morte de quem nos é querido, Daniel Sampaio faz-nos aprofundar o nosso "Eu" e procurar algumas explicações individuais, através da introspecção e do pensamento acerca da inconstância da vida perante a eminência da morte.

"Tudo o que Temos cá Dentro", a meio caminho entre o romance e a descrição de uma psicoterapia, que tem o suicídio como ponto de partida. Temos o relato ficcional que o terapeuta faz das sessões, um monólogo interior do paciente e uma espécie de carta pos-mortem do suicida, uma história envolvendo os vários pontos de vista dos seus protagonistas. Uma leitura fundamental para todos os que se interessam pela adolescência e pelos problemas que lhe vêm associados.

Daniel Sampaio (2000)

"Esqueceste a pouco e pouco o meu amor. Nunca me falaste de ternura. Vi, muitas vezes, o riso na tua boca, mas jamais disseste o teu desejo. E quando o teu corpo nos levava no sonho, como se nos perdêssemos em cada segundo, deixavas-me sozinha na escuridão.

A pouco e pouco te expliquei o meu terror. Não quiseste ouvir-me. E, afinal, o que sentiste? Que fizeste do nosso lugar de amor? O que pretendeste ignorar? Agora é a tua falta que me faz falar. Sombras, frios, barulhos estranhos, invadem-me dia após dia. Oiço os teus passos. Surpreendo-me a escutar o ruído da tua mota.
Nuno, serás capaz de entender o silêncio dos meus gestos? Poderás escutar-me por minutos? (...)

Quando te conheci, senti-me renascer. Gostei do teu olhar de desafio, da intimidade com os teus amigos, do teu à-vontade quando nos tocámos naquela festa, a segurares a porta para que ninguém entrasse, o teu corpo finalmente próximo (há muito te desejava e já o sabias decerto).

Não preciso falar da noite do Meco. Perdemo-nos naquela luz, na cumplicidade dos teus amigos, até na pressa com que devoravas perceves e engolias cervejas. A noite surgiu de repente, com um sabor de despedida que não adivinhava. Sei, no entanto, que me amaste inteiro. Não podes negá-lo. Não o farás e, quando souberes o fim, ficarás mais certo."

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