quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Apadrinhamento civil: dinamizar novas famílias

Foi aprovado um novo regime jurídico que poderá contribuir para a diminuição das mais de 11 mil crianças e jovens a cargo de instituições e que aguardam por uma nova família. Tata-se do "apadrinhamento civil".
Um total de 11 362 crianças e jovens encontram-se institucionalizados em Portugal. O tempo de permanência nas instituições que os acolhem é em média de quatro anos para cerca de metade. No total, 43% das crianças e jovens nestas circunstâncias não têm contacto com a família biológica. Os dados constam do Relatório de Caracterização das Crianças e Jovens em Situação de Acolhimento de 2007.

Mas em breve estes números poderão ser minimizados por um modelo mais dinâmico de colocação de crianças e jovens em famílias. O "apadrinhamento civil" é uma nova figura jurídica no direito português e pretende promover a desinstitucionalização de crianças e jovens que não vão ser encaminhados para adopção, mas que também não podem regressar à família biológica.

Como funciona?
Através da constituição jurídica de um compromisso de apadrinhamento. Basicamente, a criança ou jovem recebe uns padrinhos civis que exercem sobre si as responsabilidades parentais necessárias ao seu desenvolvimento físico e emocional.

Guilherme de Oliveira, presidente do Observatório Permanente da Adopção e mentor deste novo regime jurídico, garante que "o apadrinhamento civil não faz desaparecer os pais biológicos, acrescenta os padrinhos aos progenitores e todos têm deveres de cooperação e respeito mútuo e a [obrigação] de colaborar para criar a criança". Embora, ressalva Guilherme de Oliveira, "o papel dos padrinhos se torne o principal porque ficam com as responsabilidades parentais e a criança ou jovem vai viver com eles".

Para se ser padrinho, os candidatos precisam de obter uma " habilitação" junto de um organismo competente da Segurança Social, lê-se no diploma [Lei n.º 103/2009, de 11 de Setembro]. Idoneidade, autonomia de vida e ser maior de 25 anos são alguns dos requisitos pedidos aos candidatos a padrinhos. Por outro lado, pode ser apadrinhada qualquer criança ou jovem menor de 18 anos, que esteja a beneficiar de uma medida de acolhimento, protecção ou se encontre sob situação de perigo.

É necessário o consentimento dos pais que, portanto, mantêm direitos relativamente aos filhos não podendo ser privados de os visitar e contactar. Os pais devem ainda conhecer os padrinhos, o seu local de residência e ser por estes informados sobre a progressão escolar, profissional ou de saúde do filho.

O "apadrinhamento civil" pode ser da iniciativa de um tribunal, do Ministério Público, da Comissão de Protecção das Crianças e Jovens, da Segurança Social, dos pais ou da criança ou jovem maior de 12 anos.

Outros caminhos
Este novo regime jurídico surge como um meio-termo entre a adopção e o acolhimento familiar. "Uma família de acolhimento ?normal' é transitória e profissionalizada [uma vez que é paga pela Segurança Social], ou seja a família de acolhimento desempenha uma função num determinado momento e desaparece, o apadrinhamento civil nunca acaba, nem mesmo na maioridade", salienta Guilherme de Oliveira. Em relação à adopção, são também muitas as diferenças, recorda o jurista: "Ao adoptar cortam-se os vínculos com a família biológica, mas o apadrinhamento civil não pretende isso!"

Paulo Delgado, investigador nesta matéria e professor adjunto na Escola Superior de Educação do Porto, considera o "apadrinhamento civil" uma medida "tão positiva como o são todas aquelas que possam contribuir para a segurança, a estabilidade no sentido da permanência das crianças junto dos seus acolhedores".

No entanto, as investigações por si desenvolvidas no âmbito de uma bolsa de investigação da Fundação para a Ciência e Tecnologia sobre acolhimento familiar levam-no a concluir que "outro dos caminhos seguidos poderia ter sido o do acolhimento familiar prolongado", um regime já constante em legislações anteriores. "Tudo o que está previsto em relação ao apadrinhamento civil poderia constar numa regulamentação do acolhimento familiar prolongado, esse talvez fosse um caminho mais directo", diz Paulo Delgado, para quem este aspecto levanta dúvidas.

Padrinhos sem retribuição
Merece críticas o facto de a lei não prever nenhuma retribuição mensal, nem subsídio de manutenção para os padrinhos. "O padrinho que decida apadrinhar suportará inteiramente os encargos com o afilhado", alerta Paulo Delgado. E, ainda que neste novo regime jurídico esteja previsto um montante de alimentos devidos pelos pais, o investigador acredita que, "olhando para a realidade da maior parte destas crianças, restam muitas dúvidas sobre se estes pais poderão suportar estes alimentos". Portanto, conclui: "O apoio financeiro é claramente um dos aspectos que me levam a colocar um ponto de interrogação sobre os efeitos efectivos desta medida."

No que toca a outros benefícios, padrinhos e afilhados beneficiam do regime jurídico de faltas e licenças equiparado ao de pais e filhos. Também beneficiam de prestações sociais e assistência recíproca na doença. O afilhado é ainda considerado dependente para efeitos de IRS.

Avaliar vínculos emocionais
Apesar de se pretender que o vínculo do "apadrinhamento civil" seja permanente, este pode ser revogado caso uma das partes assuma comportamentos que afectem gravemente a continuidade da relação. Guilherme de Oliveira garante que, "acima de tudo", o apadrinhamento civil pretende a criação de um vínculo emocional entre afilhados e padrinhos.

Precisamente, no sentido de avaliar até que ponto existe essa conexão e ela serve os interesses da criança ou jovem, está prevista uma espécie de monitorização ao processo de apadrinhamento que será realizada por um órgão competente para esse efeito. Este apoio termina quando a entidade responsável concluir que a integração familiar se verificou ou passados 18 meses sobre a constituição do vínculo. Ora, também este ponto levanta grandes dúvidas a Paulo Delgado: "Esperemos que este apoio exista efectivamente. É muito importante que a criança não desapareça do sistema e que se garanta que ela tenha um contexto adequado ao seu desenvolvimento junto dos padrinhos."

in educare.pt

Sem comentários:

Enviar um comentário